terça-feira, 7 de agosto de 2012

as MARGARIDAS BRANCAS - por Dilma Alencar

Ela abriu a janela, jogou o casaco sobre meus livros e me disse do dia: do atraso do ônibus, do erro da senha do cartão, do botão da blusa, do calo que a sapatilha amarela sempre causa no seu pé. Tomou uma aspirina, tomou o espaço da sala e viu seu filme predileto.
Ela não me via, eu já não queria enlace. Aos poucos o silêncio dizia de tédio e cansaço. Eu comprei margaridas brancas, um livro de receitas, arrumei a casa, tudo cheirava a alecrim. No meu quarto, entre relatórios e poemas, eu tentava amolecer umas palavras-nós, para dizer, para cortar a pulsação já fraca.
O filme acabara. Ela afundou de cansaço, na poltrona roxa. Eu a acordei, com olhos tristes, de quem tem mais ternura que amor. Houve um beijo longo e cúmplice, sentimos que a distância doía. Os olhos dela estavam mais escuros que de costume, eu estava calma como nunca. Choramos de saudade dos piqueniques, das mãos dadas, das datas, dos ditos. O jantar não foi servido. Houve uma chuva histérica, uma xícara quebrada, um copo d’água. Sorrimos um sorriso compassado com soluços, minha lágrima tinha o gosto do seu batom ainda úmido na minha boca. Nossa solidão não cabia na mesma cama. Ela também tinha dor e saudade. Ficamos tristes, ela dormiu ao meu lado, eu acordei pra sempre. Na primeira manhã de saudade, ela tomou banho, saiu de toalha com um cheiro que só os anjos devem ter, pegou meu corretivo emprestado, tomou meu café, falou da gente, e de como seríamos mais felizes depois da noite passada.
Sorrimos à liberdade, guardamos as lembranças sãs e acreditamos.

Um comentário:

  1. Lindo, como sempre o amor tem um recomeço, uma história que não se joga fora nas dificuldades. Novas chances de não de novos acertos, mas de novas tentativas. Adorei.

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