terça-feira, 28 de agosto de 2012

sEGUNDA, 27 DE AGOSTO, ANO 2012-por Dilma Alencar.



Sono, cansaço e sol antes das 06:00h. O passo, o ônibus. Passar do ponto, perder o primeiro. As alegorias acontecem na segunda. O café com leite no copo americano. O córrego, as bitucas de cigarro forrando o chão. O itinerário sem flores, sem buquês. Um cadeirante sorri e reza novenas, carrega no colo o último best-seller católico. Uma puta sai do motel. Um homem leva alianças na carteira. Uma mulher ganha correntes no tornozelo, o menino colorido quer ter sua primeira transa  e compra perfumes caros.
A professora risca a velha lousa e desconfia do roteiro. O guarda matou um inocente e lava as mãos com álcool. A mulher casada abriu as pernas para seu amante e lava seu sexo com sabonete.
O caixa conta a moeda de troco.  A televisão da padaria vende a vida à prazo: um apartamento para pagar até morrer [morrer para pagar], vende a culpa à vista: estudar, comprar um título, comprar um lugar ao sol [no concreto frio], vende a possibilidade de gastrites, também à vista: não dormir, não transar, não amar o ócio e as lagartas amarelas na grama do Ibirapuera. Vende. Há quem compre. O pão de queijo não tem gosto de queijo, o café é bom e o homem do caixa sorri e manda torpedos para a namorada. A puta foi tratada como queria e ganhou 50 reias. O homem aprendeu provérbios bíblicos e aceita a vida.
Mas o ônibus estava cheio e passou do ponto. Parou no farol. Os sapatos gastos atravessando a faixa, as mochilas vazias de sonho, entulhadas de protocolos, salada, garfo, faca e laranja. A rotina plantando câncer. No escuro, perto da padaria, tem sangue, no corredor: ônibus e prazos esperando o farol abrir.
O resto de sonho virou sono no último banco. Bocejos de cansaço não percebem os imperativos das placas dizendo: onde, como, quem. As chaves, com muito trabalho, abriram a porta. Túmulos na sala, toalha molhada na cama e a ternura quis espaço. Entre a dor do corpo e os espinhos da memória, alguém tentava ser feliz comendo pizza requentada e lendo Caeiro, o som da rua aos poucos abandonava seu ouvido. Aliviado, o calo do pé descansava sobre o pufe.
Música e poesia, pois é preciso muito enfeite para ver tanta sepultura no enredo.
Enredados nos nós que ainda não sabemos desfazer, é preciso, sim, embriaguês.
E há.

6 comentários:

  1. Nuances de uma vida que pra nós JAMAIS passará em preto e branco.
    Coloco um pouco de café no copo. Lembro do garçom do boteco, que nos vendeu a última cerveja. Sorrio. A vida permanece loucamente INTACTA.

    Amei o texto. As visões do texto.
    Parabéns, Dilma.

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    1. Simone, obrigada pela leitura, pelas palavras.Sou sua fã.

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  2. Querido Coração de Leão,
    É preciso não deixar a poesia escorrer pelo ralo. Tenho tentado segurar por aqui, com medo de apertar ou soltar muito...
    Beijos,
    Claudiana.

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    1. Moça das Cerejas,obrigada pela leitura. tomara que haja!!!

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  3. Li aqui cada letra do que precisava hoje ler.
    Vi em cada flash meu próprio vazio de sentido.

    Hoje não é um dia bom. Só teu texto fez dele um dia suportável. Porque me explica. E me reflete. E me entende.

    Pena que eu não vislumbre, ainda, minha própria embriagues. Me falta poesia para tanto.

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  4. Há segundas que doem mais.
    Falta em tudo!!
    Eu não sei.Mas tudo dói muito.

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