segunda-feira, 15 de outubro de 2012

NAS tintas DE RIMBAUD - por Vinícius Linné




Da primeira vez que perguntaram quem já ouvira falar de Rimbaud, ela ergueu a mão, orgulhosa por ser a única da sala. Rimbaud, sim, o pintor. Como ninguém ouvira falar dele? E justo ali, em pleno mestrado.

Sua sorte foi o professor ter seguido adiante, sem perguntar-lhe nada. Quando ele disse que Arthur Rimbaud fora um dos grandes poetas franceses, ela quase ficou sem cor. Então não era pintor? Com quem ela lhe confundira? Não sabia dizer. Por toda vida ligara o nome “Rimbaud” à pintura. E agora isso? Melhor era escutar.

Escutou. Escutou que apesar do sucesso todo, dos elogios, da consagração precoce, da genialidade, dos prêmios, da escrita única, dos poemas em latim, dos poemas em francês, do anarquismo, dos desregramentos do sentido, da paixão por Paul Verlaine, daquele encontro em Bruxelas, de Uma estação no inferno, de tudo tudo tudo, Rimbaud desistiu de ser poeta aos 20 anos e foi ser traficante de armas na África.

Ela escutou estarrecida. Porque para ela também só existia o sucesso e suas firulas todas, as pompas de ser reconhecida e admirada. Para ela a desistência não existia. Tanto quanto um Rimbaud escritor. Na mesma aula, porém, passaram os dois a se fazer presentes: o poeta e a rendição.

Sim, ela podia se render. Ela podia desistir. Ela podia dizer não às próprias expectativas. Ela podia dizer adeus à própria carreira. Ela podia dizer “foda-se” aos seus três livros lançados. Ela podia, se quisesse ela podia, ir para o interior, arrumar um marido estúpido e parir seis filhos. Ela podia envelhecer cuidando da casa, dando comida às galinhas e falando só da vida alheia.

Meu Deus, que coragem, no entanto, ela precisaria para desistir. Para dizer não. Para admitir que nada daquilo a satisfazia mais. Nem as festas, nem as prendas, nem os mimos pelas participações e falas em eventos. Nada fazia sentido. Dar milho às galinhas era mais útil. Então não viam? Rimbaud viu. Os homens precisam mais de armas do que de versos. Precisam mais de filhos do que de livros. Precisam mais da vida alheia do que da própria.

Pensou tudo isso. Tudo...

No fim do curso, entregou ao professor um artigo sobre as inferências homossexuais em O coração torturado. E apresentou-o depois em dois ou três simpósios. 

3 comentários:

  1. Parabéns, Linné. A possibilidade de ligar o "foda-se" é ainda um perigo bom, a possibilidade de explosão.Desnudar o discurso.
    Manso e preciso.

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  2. Nem tudo é o que parece ser.
    Nem sempre estamos onde gostaríamos ou deveríamos estar.

    SE EU PUDESSE USAR O BOTÃO DO "FODA-SE" NESSE EXATO MINUTO E MOMENTO, FARIA ISSO !!!
    Parabéns, Linné. Gosto muito. Inspirador.

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  3. Parabéns gostei mito da forma de escrita,simples fluida e no entanto com dizeres nas palavras e para alem destas.Como vim aqui ter?É simples.coloquei no google-Rimbaud,pintor...
    Aivlis

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