"Tensão", 2011 - Simone Huck
Ela pinta as unhas de
azul e usa sapatos amarelos. Sorri concordâncias poéticas enquanto
chora lágrimas de saudade enrolada numa coberta semântica. Acorda
de madrugada para tomar um gole de café frio. Com a voz levemente rouca, grita com as baratas que tentam, no escuro da noite, devorar as
palavras dos livros acumulados debaixo da cama. Ela dorme
em cima de uma literatura que não compreende e ama.
Seu sexo é uma
fonética incerta. Desde a primeira vez que nos vimos, sempre soube
que ela seria a minha melhor análise sintática. Seus objetos
indiretos agridem os meus diretos. Seu sujeito oculto me confunde. Ela gosta de batons alaranjados. Ontem a noite trocou o café por um copo de cachaça e dançou
Luiz Gonzaga no canto da sala. Ela não tem medo da sua hedionda
solidão. Lustra com alegria um porta-retratos vazio. Sorri para os
desconhecidos na rua. Fala de Borges para o cobrador do ônibus com a mais pura insanidade íntima. Sua voz passiva me
atiça.
Minha alma quer casar
com a alma dela. Morar num cômodo úmido de uma biblioteca
subterrânea. Sermos cúmplices de ácaros que se alimentam de
vírgulas e papéis amarelados de tempo, ânsia e suor. Ser palavra, verbo e resposta sem dúvida, dúbia.
Minha alma
quer fazer amor com a alma dela em cima de um milhão de poesias
rasgadas, entre rosas, espinhos e nenhuma santificação.
Penetrar seus pretéritos imperfeitos, salivar ditongos entre sua
boca laranja. Devorar hiatos entre seus pelos pubianos.
Amanhecemos abraçadas
entre vãos e nãos.
Somos moradoras da periferia do nosso desencontro.
Em corpo, jamais seremos um livro na estante.
Somos moradoras da periferia do nosso desencontro.
Texto lindo e forte, texto seu. Suas letras dançam tango.Um xero.
ResponderExcluirHá lugares "secretos" em nós que gritam vontades eternas, Dilma. Bjs em vc. H.
ExcluirQuando a língua faz amor...
ResponderExcluirBravo, Huck! Bravíssimo!
Obrigada, Sil.
ExcluirQdo a intenção tb faz amor...
Bjs,
H.
Minha cara, as vezes eu ainda me surpreendo com sua escrita e gosto disso. Gosto de ser surpreendida por escritos, tomá-los como sendo meu, emprestado é claro, enquanto leio. Se deixa ser pele e pronto. Fazemos amor. A palavra e eu...
ResponderExcluirbacio
Coisa boa essa de fazer amor com as palavras, Lu. Essa é a minha melhor e maior FEBRE e te(N)são... rs rs. Obrigada pela leitura. Bjs, H.
ExcluirAdorei desde o título.
ResponderExcluirTenso e teso, Vini!
ExcluirBjs
H.
Este é o meu preferido!
ResponderExcluirEu mesma.
Também gosto muito desse texto. Ele é muito bonito dentro de mim. Nem toda "impossibilidade" precisa ser dolorida. Agora sei qual é o seu preferido. Obrigada por ler, por comentar, por me indagar. Amo isso. Bjs, H.
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