terça-feira, 17 de setembro de 2013

nERVOS IRMÃOS

Acordei com um sorriso besta na cara. Depois de uns dias cheios de amarras, de novo as coisas dançaram aquela dança bruta que não sei aprender, a dança das coisas que são, sem pensamentos, sem tristezas, sem cismas de cabeças errantes e cheias de grilos desafinados. Uma mochila cheia de livros e uma cabeça cheia de dúvidas, eu desci na avenida de concreto e de grama, subi pela rua calma, sábado de manhã tudo se acalma de ressaca ou de cansaço, se acalma. Uma alegria de estudante quando quer aprender, uma liberdade nos passos, uma liberdade de cigana que fica e tem um filho com o mesmo repente que vai e não volta nunca. Minhas mãos folhearam os livros, meus olhos espiaram homens e mulheres, lhes adivinhando a angústia diante da disciplina ossuda e seca dos livros acadêmicos, dissecando poesias do século XVII, lambendo a doçura de Erasmo de Rotterdam, comendo as análises de Bocage, cutucando a pornografia de Hilda.
Um homem varre a rua e respira feliz, a filha mais velha entrou numa universidade pública, ele respira como um homem que deu o que acreditava, uma formiga trabalha, um urubu come uma carcaça de um bezerro, recém-nascido, recém- morto, já comida de urubu.
Eu enfrento meu sertão dentro de uma biblioteca católica, branca e rica, eu leio a violência com que teceram as lutas, enxergo as letras cheias de pus com que ainda massacram os homens, penso nos meus boletos atrasados e na minha dificuldade de ver a liberdade dentro da sala de ar condicionado e de solidões compartilhadas.
A dança do mundo, o som que os ouvidos filtram em vozes, o que eu sei ouvir é polifônico e uníssono.
Eu respiro com liberdade, faço as análises, bocejo, converso com versos de Stela do Patrocínio, com as antíteses que Foucault descortinou e penso nas novenas do sertão em tempos de seca, tudo é unidade que me fez. Tomo um café na rua e converso com seu Zé, homem culto, aprendeu a ler depois dos 18, agora na saúde de seus 60 anos, ler poesia de Patativa, e relembra com esmero as emboladas do sertão, dona Maria, minha vizinha há cinco anos me diz como eu devo não cuidar do meu pé de mandacaru e eu sorrio e lhe digo histórias de livros antigos, ela me diz que eu deveria sair mais, faz uns meses que só estudo, e eu penso, não me explico, dona Maria entende o mundo há mais tempo que eu , isso merece meu respeito, eu penso que é preciso silenciar, eu espio melhor essa dança que eu não sei ainda os passos.
Fora da biblioteca, as arvores viçosas desse sudeste bonito também me espiam, pulsando e mostrando seus troncos cobertos de parasitas necessários, as arvores respiram o mesmo tempo que eu, não há linguagem mais bonita do que o silêncio que compreende o outro.

Em tempo de correntezas é preciso assentar, fazer sentir essa essência de nervos que ainda são irmãos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

o Febre CRÔNICA agradece sua leitura e comentário.