segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

pASSAGEM II - por Vinícius Linné

Como no ano passado, o bilhete está comprado. Haverá outra viagem, amanhã, com saída às 23h59min. Com chegada prevista às 0h00min do ano que vem. Outra viagem em que as malas precisam ser feitas, em que será preciso escolher o que levar de 2013 e o que deixar.

Vou fazer tudo igual. Vou me preparar bem, malas, bagagens de mão, passageiros que deverão me acompanhar, casaco para o caso de fazer frio. Vou fazer de conta que está tudo bem. Que deixei as mágoas e carreguei os quereres. Que partirei sem rancores, só carregando bendizeres.

Mas na hora. Ah, na hora...

Na hora em que o trem chegar, vou esperar ao máximo. Vou esperar para embarcar no último segundo. E quando o fizer, vai ser sozinho, soltando minhas mãos de quem as segurava. Sem malas, sem mazelas, sem ninguém. Vou entrar apressado e trancar as portas do meu vagão. Por ali nada passa. Vou arrancar as roupas todas. Não as quero. Nem elas eu quero levar além. Nem poeira ou grão de 2013 quero que fique em mim.

Vou, então, riscar o único fósforo que manterei comigo e atirá-lo pela janela. Vou incendiar as malas que ficaram na estação, previamente preenchidas de álcool, gasolina, poemas velhos e querosene. Que queimem. Que incendeiem bem. Quereres, ofensas, delicadezas e mulheres como as de  Laura Esquível. Que tudo queime. Que 2013 seja só uma luz vermelha, cada vez mais fria, conforme o trem se afasta.

Que queime, enquanto olho e bebo do champanhe mais caro do trem. Que o ano inteiro fique para trás. Que queime e enegreça, encolhendo suas bordas e se fechando em si. 2013 foi um desperdício.  Que o trem seja rápido o suficiente para que nem as cinzas carregadas pelo vento o alcancem. E sim, que só sobrem cinzas de um ano que foi também todo cinza. Que ao chegar à estação, em 2014, eu seja tão leve a ponto de voar para longe. Para longe daquela mancha enegrecida, daquela estação queimada, daqueles ossos e papéis velhos, devidamente carbonizados, que um dia eu chamei  de meus.


'To burn ones memories' by Kaia Pieters

"Y la noche que se incendia,
Y la cama que se eleva,
A volar…
And of the dark days
Painted in dark gray hues
They fade with the dream of you
Wrapped in red velvet
Dancing the night away
I burn…
Midnight blue
Spread those wings
Fly free with the swallows
Fly one with the wind"

Um comentário:

  1. Somos feitos de 2013, Linné. E de 2012, de 2011 e de tudo que veio antes. 2014 ainda é rascunho. Belo texto, rapaz. Como de hábito.

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