quinta-feira, 13 de março de 2014

pANDORA - por Vinícius Linné

Quando morreu o escritor abriu-se a caixa de pesadelos. Pesadelos dele. Febres. Ânsias e vômitos. Os escritos que ele guardava com medo que alguém lesse. Abriu-se a caixa. Derramou-se no chão o lodo de tinta má em papel ruim.

A viúva, depois de ler as primeiras páginas, pediu que jamais se pronunciasse novamente aquele nome na casa. Para ela, o marido estava morto e enterrado. E estava. Ao contrário do escritor, ela nunca possuíra muita criatividade para se expressar.

Os alunos da faculdade local se debruçaram e dissecaram cada letra, cada palavra, cada vergonha. Se os outros soubessem.... Se os outros soubessem.

Eis que surgiu então a agenda. Páginas numeradas. Uma delas faltava. Na página seguinte, letra torta, que em nada combinava com as grafias controladas do escritor: “O dia de ontem jamais existiu”.

O escritor nunca jogara fora um papel. Prova disso eram as listas de compra “Banana, Papel Higiênico, Maçãs, Veneno”. 

A folha de agenda (numerada ainda!) precisava estar em algum lugar. O que havia escrito nela? O monstro dos monstros. 

Se coisas tão ruins ele havia guardado em outros papeis, o que mereceria a fúria de uma página arrancada?

Clarissa quis descobrir. Estava ela entre os estudantes. Revirou armários, fundos de gavetas, tábuas soltas do assoalho. Nada. 

No quintal, entre as hortênsias, uma ponta de caixa. Desenterrou-se. Estavam certos. O escritor nunca jogaria uma página numerada fora. 

Dentro dessa caixa, bem dobrada, estava a página arrancada. Amarela. De cor, não de tempo. Afinal, era do último ano.

Clarissa a desdobrou com cuidado imenso. Tensa. Que coisas estariam escritas ali?

Nada. Na folha arrancada só um desenho. Dois pássaros mortos. Clarissa foi a única a entender.

Ela entendeu e calou.

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